Acórdão: Apelação Cível n. 2005.008357-3, de Maravilha.
Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato.
Data da decisão: 02.10.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 321, edição de 30.10.2007, p. 213.
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. POSSESSÓRIA. MANUTENÇÃO DE POSSE. POSSUIDORES QUE FORAM IMPEDIDOS DE EFETUAR ROÇADO EM SUA GLEBA DE TERRAS. SITUAÇÃO FÁTICA DEMONSTRADA ATRAVÉS DE PROVA PERICIAL. POSSIBILIDADE. TURBAÇÃO INCONTROVERSA. REQUISITOS DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DEMONSTRADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO
A comprovação da posse anterior do autor e da turbação praticada pelo réu induz ao acolhimento do pedido de manutenção de posse (CPC, arts. 926 e 927).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.008357-3, da comarca de Maravilha (Vara Única), em que é apelante Mário Bianchin, e apelados Volmir Ortolan e outro:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Volmir Ortolan e Beloni Ortolan ajuizaram "ação de manutenção de posse" contra Avelino Bianchin e outros.
Na petição inicial, afirmaram os autores serem proprietários de parte de um lote rural de nº 12, com área de 152.936 m², localizado na seção Biguá, no município de Iraceminha.
Narraram que sempre exerceram a posse mansa e pacífica do terreno, plantando sobre a gleba. Afirmaram que em determinado período, deixaram o mato crescer livremente em uma parte da área com o fim de "dar um descanso" à terra, sem abandonar a posse sobre o bem.
Contudo, relataram que em agosto de 1994, tiveram sua posse turbada pelos réus, que impediram a realização do roçado sobre a parte do lote tomada pelo mato.
Ao final, postularam a concessão de medida liminar para que fossem mantidos na posse do bem objeto do litígio e, ao final, sua confirmação, além de perdas e danos e consectários legais.
Realizada audiência de justificação prévia (fl. 14), as partes transacionaram em relação à posse durante a tramitação do feito.
Devidamente citados, os réus apresentaram resposta na forma de contestação (fls. 16/21), na qual argüíram em preliminar, a ilegitimidade ativa ad causam e a impossibilidade jurídica do pedido. No tocante ao mérito, aduziram que os autores jamais tiveram a posse da área objeto do litígio e invocaram o usucapião como matéria de defesa.
Apresentada réplica (fls. 28/31) instruído o feito e confeccionada a prova pericial, após a apresentação das alegações finais (fls. 127/135 e 136/137), o MM. Juiz de Direito proferiu sentença (fls.138/143), cujo dispositivo foi assim redigido:
"Dito isto,JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por VOLMIR ORTOLAN e BELONI ORTOLAN em face de MÁRIO BIANCHIN e VICENTE BIANCHIN, para o fim de reintegrar os autores na posse plena do imóvel constituído pelo lote n.º 12, da Seção Biguá, situada na localidade de São José do Laranjal, município de Iraceminha (SC) com as confrontações e demais dados constantes da escritura de compra e venda de fl. 07, especialmente a área de 48.933 m² esbulhada pelos réus.
Tendo os autores decaído de parte mínima do pedido, condeno os réus ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes no importe de R$ 500,00, com fundamento no art. 20, §4º, do Codex Instrumental" (sic)
Irresignados com o veredicto, os vencidos interpuseram recurso de apelação (fls. 147/149), no qual insistem na tese de que os autores não demonstraram a posse sobre a área objeto do litígio. Postulam, assim, a reforma da sentença tão-somente para que seja julgado improcedente o pleito possessório.
As contra-razões restaram apresentadas (fls. 152/160), pela manutenção do decisum.
VOTO
Trata-se de ação de manutenção de posse proposta por Volmir Ortolan e Beloni Ortolan contra Avelino Bianchi, Mário Bianchi e Vicente Bianchi, referente à gleba descrita na exordial, sob a alegação de turbação por parte dos réus.
Para o deslinde da presente quaestio, se faz importante relembrar alguns dispositivos legais sobre a posse e respectiva proteção.
É da dicção do art. 1.196 do Código Civil: "Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade."
Estabelece, o mesmo diploma legal, em seu art. 1.204, quem e quando se adquire a posse, verbis: "Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade."
E a tutela jurisdicional da posse restou disciplinada no art. 1.210, verbis: "O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado".
No mesmo rumo, este tipo de procedimento especial, também restou previsto no art. 926 do Código de Processo Civil, assim redigido: "O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho."
Mas, de outro vértice, prevê o mesmo diploma legal, no art. 927 que: "Incumbe ao autor provar: I – a sua posse; II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III – a data da turbação ou do esbulho; IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção de posse; a perda da posse, na ação de reintegração de posse."
Sobre a finalidade das ações possessórias, ensina o mestre Orlando Gomes:
"Seu fim específico é obter a recuperação da coisa. Tem todo o possuidor direito a consegui-la se da posse for privado por violência, clandestinidade ou precariedade. Também chamado de ação de força nova espoliativa, pressupões ato praticado por terceiro que importe, para o possuidor, perda da posse, contra a sua vontade. Se o possuidor não for despojado da posse, esbulho não haverá" (Direitos Reais, Forense, 1995, 11ª ed., p. 79).
Igualmente prelecionam Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini que "as ações possessórias têm por escopo, unicamente, proteger a posse. Nelas, não se discute a propriedade, podendo, até mesmo, o possuidor intentar a ação (e ter protegida sua posse) contra o proprietário" (Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais, RT, 1999, 2ª ed., p. 197).
Neste sentido:
"AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – POSSE ANTERIOR NÃO COMPROVADA – EXEGESE DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – REQUISITOS ESSENCIAIS NÃO DEMONSTRADOS – RECURSO DESPROVIDO.
'Indemonstrados os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil – prova da posse do autor; do esbulho praticado pelo réu; a data do esbulho e a perda da posse – não poderá lograr êxito a ação reintegratória.' (AC n.º 99.005914-6, Des. Silveira Lenzi)" (AC n.º 2000.006378-9, deste Relator).
"Reintegração de posse. Requisito essencial é a posse. Não provada esta, descabe o remédio possessório. Tratando-se de ação possessória, o que interessa perquirir é quem tem a posse, não cabendo perguntar, quem tem direito à posse.
Não tendo o autor demonstrado sua posse, deixou de lado requisito essencial, capaz de ensejar o uso do remédio possessório" (JB 6/197).
"Agravo de Instrumento – Reintegração de Posse – Comodato – Liminar Indeferida – Justificação Prévia – Decisão Mantida.
Para a reintegração liminar na posse do bem, quando alegado comodato, faz-se necessária a prova inequívoca dos requisitos do art. 927 do CPC e da relação comodatária" (AI n.º 1999.007479-0, Des. Eder Graf).
"Possessória – Reintegração – Ausência de prova a respeito do exercício de posse pela autora e da prática de esbulho pelos requeridos – Ação improcedente – Sentença confirmada – Insurgência recursal desprovida. Essencial, para o sucesso da ação de reintegração de posse, é a demonstração cabal da posse exercida em nome próprio pelo postulante da proteção interdital e o cometimento do esbulho por parte daquele contra quem se pede a proteção. Não evidenciados esses pressupostos basilares, a ação reintegratória deságua na improcedência" (AC n.º 1988.089468-5, Des. Trindade dos Santos).
"Ação de Reintegração de Posse. Revelia. Posse anterior indemonstrada. Efeitos. Pedido inacolhido. O titular do domínio que não demonstra, de modo induvidoso, o exercício da posse anterior ao pretenso esbulho, não tem direito à proteção do interdito reintegratório, ainda que o réu resolva manter-se revel, dado que o juiz não pode julgar contra a evidência dos autos" (AC n.º 1988.072004-0, Des. Eládio Torret Rocha).
"APELAÇÃO CíVEL – AÇÃO DE MANUTENçãO DE POSSE – TURBAÇÃO COMPROVADA – INSTALAÇÃO DE CASA E ROMPIMENTO DE CERCAS – PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL – REQUISITOS DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PREENCHIDOS – RECURSO NÃO PROVIDO.
A invasão perpetrada no imóvel objeto da demanda possessória, com a destruição de cerca e assentamento de casa de madeira, caracteriza ato de turbação à posse, a exigir proteção possessória, eis que comprovados os requisitos do art. 927, do Código de Processo Civil" (AC n.º 1997.008060-3, Des. Wilson Augusto do Nascimento).
Assim, "tratando-se de ação possessória, o que interessa perquirir é quem tem a posse, não cabendo perguntar, quem tem direito à posse. Não tendo o autor demonstrado sua posse, deixou de lado requisito essencial, capaz de ensejar o uso do remédio possessório" (JB 6/197).
Mas não é qualquer posse que é passível de proteção indistinta. Dispõe o art. 489 do Código Civil então vigente (correspondente ao art. 1.200 do Código Civil de 2002) que "é justa a posse que não for violenta, clandestina, ou precária".
De acordo com Sílvio de Salvo Venosa, "a posse exige, em princípio, que sua origem não apresente vícios. Posse viciada é aquela cujo vício originário a torna ilícita. Como alerta Pontes de Miranda (1971, v. 10:120), no mundo fático não existe o justo ou o injusto. Estes são conceitos jurídicos. Procede injustamente aquele que atenta contra o Direito" (Direito Civil – Direitos Reais, Atlas, 2003, 3ª ed., v. V, p. 70).
In casu, o cerne da questão reside em se determinar se há nos autos prova capaz de demonstrar a posse anterior dos apelados sobre a área objeto do litígio, bem como a ocorrência da alegada turbação. Quanto a estes aspectos, o conclusão pericial e os documentos existentes nos autos dão sustentação à assertiva dos autores.
Vejamos.
Depreende-se das conclusões do experto (fls. 93/94), verbis:
"1. Se existe marcas de delimitação dos imóveis em questão?
R. Não há vestígios de delimitação pois nas divisas existe matagal.
2. Em tal caso, se poderia definir com certeza absoluta em qual imóveis se encontra a área roçada?
R. A área roçada em questão, encontrava-se sobre o lote colonial n. 12.
3. Caso não haja marcas de delimitação, se poderia estimar há quanto tempo vem sendo ocupada através de roças a área em litígio?
R. A área em litígio não vem sendo ocupada por roças, pois na área em litígio existe matagal de aproximadamente 8 (oito) à 12 (doze) anos.
4. Se é possível saber-se através de informações, sobre quem teria ocupado a área em questão nos últimos vinte anos?
R. Segundo informações a área na divisa com o lote n. 13, à vários anos atrás era plantada pelos familiares da esposa do Sr. Volmir Ortolan".
E mais adiante:
"Informe, outrossim, o Sr. Perito, qual a quantidade de área ocupada pelos Autores sobre a parte do lote rural n. 12, antes referido, e objeto da presente ação possessória?
R. Área ocupada = 48.933,00 m²".
Destarte, pela análise detalhada das respostas dadas aos quesitos formulados pelas partes e do levantamento topográfico elaborado pelo louvado (fl. 95), bem como da certidão do registro de imóveis de fl. 7, exsurgem evidentes algumas conclusões: a) a área objeto do litígio envolve uma pequena porção de terras (48.933,00 m²), que encontra-se localizada dentro da propriedade dos autores; b) tal área vinha sendo cultivada pelos familiares dos autores; c) há algum tempo (entre 8 e 12 anos) sobredita fração de terras fora tomada pela mata.
Assim, muito embora as partes tenham desistido da produção da prova testemunhal (fl. 117), a prova pericial foi esclarecedora em aspectos pontuais, principalmente a comprovação da posse anterior dos autores e familiares sobre o lote objeto do litígio, corroborando a tese exposta na exordial de que jamais houve o abandono da gleba pelos apelados ou seus antecessores, que apenas deixaram crescer a mata para recuperar as qualidades do solo.
Com relação à alegada turbação perpetrada, não se olvida que os réus admitiram expressamente em sua peça defensiva que impediram a realização do roçado na gleba, justificando tal atitude no fato de que aquela porção de terras lhes pertencia, configurando indubitavelmente a moléstia da posse. Nessas circunstâncias, resta evidente a prática da turbação.
Por fim, necessário esclarecer que competia aos réus, segundo os ditames do art. 333, II, do Código de Processo Civil, fazer provas quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores, ônus do qual não se desincumbiram.
Desta feita, verificados os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, vota-se no sentido de negar provimento ao recurso.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, à unanimidade, negaram provimento ao recurso.
O julgamento foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desa. Salete Silva Sommariva.
Florianópolis, 2 de outubro de 2007.
Marcus Tulio Sartorato
RELATOR
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